sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
belém noel
ilustração "Helicônea 3",by renato pantoja
belém noel
onde morávamos, pelo fim de ano, o céu era sempre em preto e branco, a lâmpada da cozinha de vovó waldomira acordava acesa, e eu sabia que era dia de ver hanna&barbera e o elo perdido, de esperar o mabel com ki-suco de uva no meio da manhã, de ansiar pela noite,
vinha do andar de baixo um fumo de peru com castanhas portuguesas, odor de fio d’ovos com torta de bacuri e pão de ló, era meu aquele dia, não pertencia a quem ficava fora de casa, o natal acontecia desde as primeiras horas da véspera, como uma gestação...
waldomira chamava a rapariga e sempre me acudiam a comprar algo na esquina, que menino não tem idade pra atravessar a rua ainda! precisão de algum tempero, ou farinha praquela farofa com miúdos, ou pimenta; lá em casa, todos careciam de ardor,
eu e os primos sabíamos os esconderijos dos presentes, mas acreditávamos severamente no velho noel, o pai natal, não naquele do refrigerante, não, em são nicolau, de quem nos contavam os milagres e tinha até encenação de mistério na paróquia do colégio,
a ceia de waldomira era evento quase ecumênico: todos da família, até as tias insanas, tão carinhosas...num faltavam nem as fatias paridas, tudo em seus lugares,
naquele natal, acordei dia vinte e cinco e fui pra baixo da cama, lá estavam: um vidro de balas de tangerina, uma caixa de música com a canção das gotas que caem cotínuas sobre nossas cabeças, um falcon mergulhador e um livro...
onde morávamos, o céu continuava cinza, waldomira, estafada, mas feliz, meus primos iam brincar na calçada, eu, escondido no porão, lia ou isto ou aquilo e comia todas as balas de tangerina.
(rodrigo maroja barata – out/2010)
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4 comentários:
rodrigo, esse conto me lembrou tantas coisas, tantos cheiros (d)e natais que tive... obrigado viu? nem eu lembrava mais, que poderia e conseguiria lembrar de tais coisas. das esxpectativas do presente, das comidas da ceia, dos primos! das brincadeiras do dia, dos afazeres, da vida que passa e a gente esquece. te amo, feliz nata pra ti. 2011 vai ser melhor.
Oi, Rodrigo.
Recordo-me das histórias de Lygia Fagundes Telles. Lá, tudo ganha sabor de uma descrição riquíssima em detalhes. O seu conto, Rodrigo, reflete o mesmo. Cada detalhe nos revela os sabores de vida escondidos nos 'cacos' mais simples do cotidiano. A partir deles, a gente sente, suspira, se emociona ...
Belo post. Parabéns!
Rodrigo .
É, onde moramos, o céu do Natal é branco e preto... :) belíssimo conto.
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