sexta-feira, 30 de abril de 2010
Cine Horror - the first, a saga...
Entro no Cine Horror a fim de assistir a "Carrie" (1976), de Brian De Palma, junto a uma plateia de cinéfilos e amantes dos scary movies. O incômodo começa justamente nos letreiros iniciais, quando uma câmera insinuante e sensual adentra o vestiário feminino da Bates High, no Maine, ao som da música de Pino Donaggio, a qual inicia terna e vai ganhando nuances sanguinárias.
Daí, acompanhamos a suave fotografia e a tal câmera que desenha os contornos do corpo de uma jovem que se banha. De súbito, eis que ela começa a sangrar, e muito, e aquela câmera desvairada vai mostrando a aflição e o desespero de Carrieta, menstruada e zombada pelas amigas de escola. Mote para um dos filmes mais aterrorizantes do cinema. Bulling, fanatismo religioso, poder da mente, vingança, ridicularização pública, morte em massa, com direito à cena de maior tensão que já vi na vida de cinéfilo: a do baile de formatura.
Sob a batuta de De Palma, o romance de King se torna uma película visionária e mórbida. Sissy Spacek cria uma personagem tão frágil, que torcemos por ela a cada morte anunciada. É o direito de ser diferente, freak, de fugir aos padrões estabelecidos pelos códigos de convenções estúpidas. De arrepiar a alma.
Continuo na sessão pavor, e entra em cartaz, no Cine Horror, "The Exorcist" (1973),de William Friedkin, clássico da possessão demoníaca, eternizou o exorcismo em fotogramas de gênio louco. Conta-se que Linda Blair nunca mais foi a mesma depois de interpretar a menina de 12 anos que é literalmente deflorada e rasgada na genitália por um crucifixo, vomitando porralouquices, com direito a todos os efeitos especiais para nos fazer crer que num quarto em Georgetown, arredores de Washington, uma garotinha está deliberadamente se autoflagelando aos olhos perplexos de sua mãe e de dois padres. Inacreditáveis cenas de insânia e desespero. Fico com receio de escrever sobre o filme e voltar à adolescência, quando o vi pela primeira vez, e fiquei semanas sem dormir direito. Nunca o bem e o mal se viram tão próximos e se digladiaram com tamanha maestria como neste filme.
O Cine Horror a cada década vai se especializando em nos deixar em transe, entram em cartaz filmes da estirpe de um "Rosemary's Baby" (1968), de Roman Polanski, baseado em romance de Ira Levin, a mostrar a trajetória desesperadora de Rosemary, Mia Farrow, genial, que engravida do capeta em meio a seitas de bruxas e vizinhos nada ortodoxos; "The Evil Dead" (1983), de Sam Raimi, o qual com muito pouca grana, imortalizou o mais sensacional travelling do cinema, por entre árvores e arbustos, o demônio chega violentamente a um casebre isolado onde jovens esperam seus fins (a cena do estupro da garota por raízes de uma árvore é inesquecível)...
Robert Wiene, Carl Dreyer, James Whale, Alfred Hitchcock, George A. Romero, Stanley Kubrick, Clive Barker, Tobe Hopper, Nicolas Roeg, Steven Spielberg...um atrás do outro maquinando o medo, enfeitiçando plateias, ungindo com sangue as noites insones dos espectadores...
Como deixar de reverenciar a psicologia do Cine Horror? Uns dizem ser um gênero menor. Eu considero jogada de gênio conseguir o susto, mesmo e, sobretudo, quando se sabe que, naquele átimo de segundo, algo pode estar renascendo das trevas...
Até a próxima sessão...
(Rodrigo Maroja Barata - Abrl/2010)
quarta-feira, 28 de abril de 2010
10 filmes Arteen
Dez filmes de Arte para adolescentes:
1. "Paranoid Park" (2007), de Gus Van Sant
2. "Trainspotting" (1996), de Danny Boyle
3. "Rumble Fish" (1983), de Francis Ford Coppola
4. "Les Quatre Cents Coups" (1959), de François Truffaut
5. "High Fidelity" (2000), de Stephen Frears
6. "The Virgin Suicides" (2000), de Sophia Coppola
7. "Rebel Without a Cause " (1955), de Nicholas Ray
8. "À bout de souffle" (1959), de Jean-Luc Godard
9. "The Last Picture Show " (1971), de Peter Bogdanovich
10. "Donnie Darko" (2001), de Richard Kelly
Arteen, filmes de arte para adolescentes
Quando vi "The Dreamers" (2003), de Bernardo Bertolucci, percebi que o genial diretor italiano não queria apenas discutir a Revolução Maoísta ou a Primavera parisiense de 1968, mas, acima de tudo, explorar a beleza no frescor da juventude e a obsessão imagética provocada pelo cinema. "Os Sonhadores" é, mais do que tudo, um filme metalinguístico e erótico, no entanto e sobretudo, pueril, rebelde, teen. Saí do cinema e acabei por alcunhá-lo com o epíteto de "arteen", ou seja, filme de arte para dolescentes, com o respeito que dedico ao mestre italiano.
Heresia? Dandismo? Não, somente me vi novamente jovem assistindo ao filme: reouvi os eternos Hendrix e Joplin, discuti se prefiro Chaplin a Buster Keaton, admirei a beleza enigmática de Marlene Dietrich e corri pelo Louvre como um personagem de Godard. O "Livro Vermelho" de Mao, a demissão de Henri Langlois (Diretor da Cinemateca Francesa)fato que deflagrou a revolta de 68, a revolução sexual, a música de Françoise Hardy... Ingredientes mais do que suficientes e brilhantemente usados por Bertolucci para discutir e ir de encontro à alienação e à bestialidade.
Espertíssimo, o artista, além de um pensador e imenso diretor de clássicos, como " O Último Tango em Paris" (1973), "1900" (1976) e, mais recentemente, "Beleza Roubada"
(1996), Bertolucci é um esteta, uma admirador da beleza, de modo que escalou um time de jovens e belos atores, o americano Michael Pitt, os franceses Louis Garrel e a inebriante Eva Green, e os envolve numa teia de cultura pop, sexo e rockn'roll, não necessariamente nesta ordem de gradação ou valoração. Três jovens em um, siameses que discutem e amam as mesmas causas, desdobram-se em despudor e chapação num apartamento chique em Paris... será que é por estes motivos que eu me senti excluído? Afinal, já faz anos que não discuto isto tudo e muito menos tenho acessos nostálgicos sessentistas ou setentistas.
O filme é um manifesto sabiamente engendrado de como o jovem é porta-voz de todos os gritos de libertação, de como o adolescente deve ser o trampolim para a genialidade, e de como à juventude tudo é válido (se a alma não for pequena, permita-me Pessoa!).
Gosto imensamente da película, mas continuo, hoje, refletindo sobre ela, a tatuá-la como Arteen, com todo o respeito que tenho por qualquer idade, afinal nunca é tarde para a utopia e para o desvario intelectual...
(Rodrigo Maroja Barata - abrl/2010)
terça-feira, 27 de abril de 2010
Os Valseadores, porraloucas líricos.
O que pode ser um filme icônico? É o que representa um momento-chave da história. Aquele a sintetizar uma geração, uma tendência! Um filme de impacto perene! Daqueles que jamais escapam de nossas mentes, muito menos de nossa nostalgia...
"Les Valseuses" (1974), de Bertrand Blier, é um filme mais do que ícone da geração pós-68, é um filme a mostrar, com bastante inteligência, humor finíssimo, delicadeza e até pureza, os anos de 1970, os da liberação sexual, os da marginalidade boa-praça, os da sacanagem sem vírus, os da liberdade incondicional dos cabelos longos ao vento...
É uma sátira contundente aos valores burguezoides, aos princípios sacralizados pela moral e cívica bestialidade dos insensatos, é um libelo libertino e chique (digo elegante, charmoso, belo!) contra a escassez de liberdade!
Os protagonistas, Jean-Claude (Gerard Depardieu, que grande ator!) e Pierrot (um Patrick Dewaere, marginal e magistral! Precocemente levado deste mundo pouco depois das filmagens desta película)são dois jovens malandros que brincam de ser maus, furtam e devolvem, amam desesperadamente, são vulgarmente inteligentes, sabiamente perdidos. Perambulam por uma França cheia dos equivocados valores de uma sociedade cínica e baixo-astral...Eles, ao contrário, significam a liberdade, a jovialidade, a criminalidade sapeca, a docilidade levada ao extremo, a poesia da marginália!
Baseado em obra de mesmo nome do diretor Blier, que também o roteirizou, "Corações Loucos" é viril, um filme macho, um grito de insânia dentro dos anos insones da década perdida. Ao som de jazz e bossa-nova, lá vão dois bandidos do bem, a exaltar a peraltice...E em seus caminhos, deparam-se com uma Jeanne Moreau, excepcionalmente lírica, sexy, ardente, pulsante e suicida...uma Miou-Miou, purificada pela frigidez, porém adocicada com o primeiro, o segundo o milésimo orgasmo...uma Isabelle Huppert na flor de seu talento imensurável, perdendo a virgindade a três, sob um céu límpido e sem frivolidades...
É um filme que mostra todos os imensos atores que foram e seriam e, graças à perenidade dos fotogramas, são os maiores da França, talvez da Europa. Irresponsáveis talentos em plena germinação, explosão de beleza e juventude, ícones de todas as gerações, de meus pais a meus netos, se os tiver!
O filme é um grito dos desocupados, dos à margem, dos valseadores, daqueles que todos escondem e que, do mais íntimo, saltam à luz das paixões. É icônico, posto ser verossímil, e ter de estar no altar maior do escurinho templo da sétima arte. É oitava maravilha! São todos os jovens que podiam e não podiam ser dançarinos da vida e marginais de suas próprias histórias...
E o fim? Bem, depois dos valseadores zombarem de todas as instituições retrógradas e pobres de espírito, roubam o duodécimo carro e seguem por estradas ermas e sem fim, em busca do nada, à cata de um vazio existencial o qual eles vão preenchendo com a esperança de todas as crianças loucas e órfãs...
É poesia em fotogramas brancos e bastante sonoros, ecos dos saudosos anos porraloucas... Quem aceita esta contra-dança?
(Rodrigo Maroja Barata - Abr/2010)
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Lágrimas de um neorrealista.
Sempre amei o neorrealismo italiano! Pela crueza, pela veracidade de seus personagens e situações engendradas pelos mestres do movimento: Rossellini (1906-1977), Fellini (1920-1993),Vittorio De Sica (1901-1974)e Luchino Visconti (1906-1976). Todos com uma impressionante capacidade de usar elementos da realidade e transpô-los para a ficção, por vezes, beirando o documental.
"Roma, città aperta" (1945), de Rosselini, foi o estopim para esta estética do pós-guerra. É considerado o maior filme italiano de todos os tempos. Usa habilmente atores reais e amadores em uma narrativa da opressão. Roma, então ocupada pelos nazistas, torna-se "cidade aberta", na qual comunistas e católicos unem-se na resistência para combater o regime fascista. Rosselini e a atriz Anna Magnani tornaram-se os baluartes desta tendência estética.
No entanto não é para explicar o neorrealismo que escrevo e, sim, para falar da comoção que algumas cenas de películas neorrealistas me provocam.É impossível não se comover com pelo menos duas cenas magistrais do cinema revolucionário e sociopolítico italiano.
Vamos à primeira: quando Pina, Magnani, em "Roma, cidade aberta", é avisada que seu marido, Luigi Ferrari, interpretado por Marcello Pagliero, então homem forte da Resistência, foi capturado por nazistas e está sendo levado num caminhão, uma câmera rodopia o cortiço onde Pina mora e, aos gritos e desperada, Anna Magnani nos brinda com a mais feroz e elaborada encarnação do sofrimento.
Pina desce as escadas do cortiço em desabalada perseguição ao comboio que leva Luigi, quando, por detrás dela, um nazista desfere o tiro de misericórdia, Pina grávida cai morta na rua da cidade sitiada. Quem não se desestrutura com Magnani nesta cena, é porque mente!Anos mais tarde, esta magnânima atriz declarou o seguinte em entrevista: - “Ser atriz, é uma forma de eu extravasar o que sinto por dentro. Tanto que se eu não tivesse conseguido ser atriz, fatalmente seria uma grande criminosa. De qualquer maneira, o mundo ouviria falar de Anna Magnani.”
A segunda e não menos comovente é em "Ladri di Biciclette"(1948), de Vittorio De Sica, Ricci, o grande Lamberto Maggiorani, numa Roma assolada pelo desemprego, no pós-Segunda Guerra, a um grande custo, consegue o poético e metalinguístico emprego de colador de cartazes na rua. No entanto tem por obrigação da nova lida, ser possuidor de uma bicicleta, a qual é conquistada a duras penas por ele e pela esposa, Maria, a atriz Lianella Carell. Para o drama de Ricci se completar, além da pobreza de sua vida e do miserável emprego conquistado, sua bicicleta é roubada.
Em companhia do filho Bruno, Enzo Staiola, fascinado pelo pai e pelo artefato roubado, Ricci cai numa desenfreada busca por sua única salvação. Até que, em desespero total, quase no epílogo do filme, Ricci resolve, numa cena de extrema angústia, furtar uma bicicleta, mas, para tirar o fôlego do maltratado espectador, é capturado e humilhado por transeuntes sob os olhares tristonhos e condescendentes do filho. Cena de uma dignidade e comiseração humanas pouco vista em todo o cinema.
O Neorrealismo, embora cru, documental, verossímil ao extremo, é de um lirismo e de uma poesia que transcendem a tela e nos fascinam. Por isso, choro sem nenhuma vergonha. Choro a dor dos operários, dos assalariados, dos pescadores, das prostitutas, dos párias...
Verto com propriedade cinéfila, em preto e branco, a dolorosa e redentora lágrima de um neorrealista.
(Rodrigo Maroja Barata - Abr/2010)
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Final de filme
Penso em filmes como quem tem sede ou como quem simplesmente ama! Há anos, fizeram-me uma pergunta singular. Era para algum jornal de minha cidade: qual era o final de filme que mais me comovia? Óbvio que alterei um pouco a pergunta, até porque minha memória para interrogatórios não é muito lúcida, nem esclarecedora.
Final de filme? Sempre concordei com os epílogos na vida: simples, quase uns sopros, uns sustos, ou simplesmente nada de extraordinário, as coisas somente findam e ponto. A vida não nos impressiona com finais grandiloquentes, quase sempre são singelos e, por vezes, não refletem nossas expectativas.
Na hora, lembrei-me de um excepcional filme de Woody Allen, meio esquecido em meio à cinebiografia de um dos mais perturbadores cineastas norte-americanos, "Another Woman" (1988), com Gena Rowlands, Mia Farrow e Gene Hackman. Um filme de uma sisudez e de um silêncio quase constrangedores; possuidor de um clima outonal, literário, um acerto de contas com a vida e seus enconderijos, seus desvãos...A protagonista, belamente interpretada por uma Gena Rowlands (quase sempre eu penso que ela vai ter um ataque de nervos em seus filmes) serena, certa de que nada em sua existência está errado, de que é detentora de todo o controle emocional e sentimental em sua vida. Uma filósofa, brilhante professora e mulher correta em sua trajetória de equilíbrio. Até que descobre, através de um diálogo que lhe chega pela ventilação do edifício de escritórios (daqueles antigos no centro de Manhathan) onde trabalha, um diálogo entre uma moça insuportavelmente triste e grávida e seu psicólogo, que a sua vida estava uma desgraça. Totalmente em desacerto e às avessas.
Toda a trajetória da protagonista volta-se para tentar recuperar tudo o que ela perdeu ou deixou de ver, devido à idiotia (disfarçada de intelectualidade), o que viveu por todos os anos desde quando se tornou uma gélida e petrificada mulher controladora.
O final é tão surpreendente, que o espectador não o espera e quando ele chega, lhe dá um susto tão grande, pois ele é tão óbvio e tão sereno, que lhe dá um punch no estômago e você é pego chorando copiosamente e com vergonha de ter caído em mais uma armalhidaosa narrativa burguesa e brilhante de Allen.
Outros finais me deixaram em êxtase, "Le notti di Cabiria" (1957), de Federico Fellini, no qual há aquele impossível e cúmplice olhar de Giullieta Massina para a câmera ou em "Thelma and Louise" (1991), de Ridley Scott, que gela nossos corações acrofóbicos.
Mas nada se compara ao final de "A Outra", nunca me senti assim tão plácido e aliviado, completamente em paz.
(Rodrigo Maroja Barata - Abr/2010)
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