quinta-feira, 22 de abril de 2010

Lágrimas de um neorrealista.


Sempre amei o neorrealismo italiano! Pela crueza, pela veracidade de seus personagens e situações engendradas pelos mestres do movimento: Rossellini (1906-1977), Fellini (1920-1993),Vittorio De Sica (1901-1974)e Luchino Visconti (1906-1976). Todos com uma impressionante capacidade de usar elementos da realidade e transpô-los para a ficção, por vezes, beirando o documental.

"Roma, città aperta" (1945), de Rosselini, foi o estopim para esta estética do pós-guerra. É considerado o maior filme italiano de todos os tempos. Usa habilmente atores reais e amadores em uma narrativa da opressão. Roma, então ocupada pelos nazistas, torna-se "cidade aberta", na qual comunistas e católicos unem-se na resistência para combater o regime fascista. Rosselini e a atriz Anna Magnani tornaram-se os baluartes desta tendência estética.
No entanto não é para explicar o neorrealismo que escrevo e, sim, para falar da comoção que algumas cenas de películas neorrealistas me provocam.É impossível não se comover com pelo menos duas cenas magistrais do cinema revolucionário e sociopolítico italiano.

Vamos à primeira: quando Pina, Magnani, em "Roma, cidade aberta", é avisada que seu marido, Luigi Ferrari, interpretado por Marcello Pagliero, então homem forte da Resistência, foi capturado por nazistas e está sendo levado num caminhão, uma câmera rodopia o cortiço onde Pina mora e, aos gritos e desperada, Anna Magnani nos brinda com a mais feroz e elaborada encarnação do sofrimento.
Pina desce as escadas do cortiço em desabalada perseguição ao comboio que leva Luigi, quando, por detrás dela, um nazista desfere o tiro de misericórdia, Pina grávida cai morta na rua da cidade sitiada. Quem não se desestrutura com Magnani nesta cena, é porque mente!Anos mais tarde, esta magnânima atriz declarou o seguinte em entrevista: - “Ser atriz, é uma forma de eu extravasar o que sinto por dentro. Tanto que se eu não tivesse conseguido ser atriz, fatalmente seria uma grande criminosa. De qualquer maneira, o mundo ouviria falar de Anna Magnani.”

A segunda e não menos comovente é em "Ladri di Biciclette"(1948), de Vittorio De Sica, Ricci, o grande Lamberto Maggiorani, numa Roma assolada pelo desemprego, no pós-Segunda Guerra, a um grande custo, consegue o poético e metalinguístico emprego de colador de cartazes na rua. No entanto tem por obrigação da nova lida, ser possuidor de uma bicicleta, a qual é conquistada a duras penas por ele e pela esposa, Maria, a atriz Lianella Carell. Para o drama de Ricci se completar, além da pobreza de sua vida e do miserável emprego conquistado, sua bicicleta é roubada.
Em companhia do filho Bruno, Enzo Staiola, fascinado pelo pai e pelo artefato roubado, Ricci cai numa desenfreada busca por sua única salvação. Até que, em desespero total, quase no epílogo do filme, Ricci resolve, numa cena de extrema angústia, furtar uma bicicleta, mas, para tirar o fôlego do maltratado espectador, é capturado e humilhado por transeuntes sob os olhares tristonhos e condescendentes do filho. Cena de uma dignidade e comiseração humanas pouco vista em todo o cinema.

O Neorrealismo, embora cru, documental, verossímil ao extremo, é de um lirismo e de uma poesia que transcendem a tela e nos fascinam. Por isso, choro sem nenhuma vergonha. Choro a dor dos operários, dos assalariados, dos pescadores, das prostitutas, dos párias...
Verto com propriedade cinéfila, em preto e branco, a dolorosa e redentora lágrima de um neorrealista.
(Rodrigo Maroja Barata - Abr/2010)

2 comentários:

John Fletcher disse...

que bom que estás de volta por aqui.

li, gostei e me lembrei de outros títulos importantes, para mim, do neorealismo: belíssima, alemanha ano zero, rocco.

no meu blog há um texto sobre cinema italiano, coincidentemente. só que é antonioni. diga o que vc acha depois.

Rodrigo Maroja Barata disse...

muito me envaidece ter teus comentários em meu blog bebezinho! amo nossas conversas e nossas sessões cinematográficas...