terça-feira, 27 de abril de 2010

Os Valseadores, porraloucas líricos.


O que pode ser um filme icônico? É o que representa um momento-chave da história. Aquele a sintetizar uma geração, uma tendência! Um filme de impacto perene! Daqueles que jamais escapam de nossas mentes, muito menos de nossa nostalgia...

"Les Valseuses" (1974), de Bertrand Blier, é um filme mais do que ícone da geração pós-68, é um filme a mostrar, com bastante inteligência, humor finíssimo, delicadeza e até pureza, os anos de 1970, os da liberação sexual, os da marginalidade boa-praça, os da sacanagem sem vírus, os da liberdade incondicional dos cabelos longos ao vento...

É uma sátira contundente aos valores burguezoides, aos princípios sacralizados pela moral e cívica bestialidade dos insensatos, é um libelo libertino e chique (digo elegante, charmoso, belo!) contra a escassez de liberdade!

Os protagonistas, Jean-Claude (Gerard Depardieu, que grande ator!) e Pierrot (um Patrick Dewaere, marginal e magistral! Precocemente levado deste mundo pouco depois das filmagens desta película)são dois jovens malandros que brincam de ser maus, furtam e devolvem, amam desesperadamente, são vulgarmente inteligentes, sabiamente perdidos. Perambulam por uma França cheia dos equivocados valores de uma sociedade cínica e baixo-astral...Eles, ao contrário, significam a liberdade, a jovialidade, a criminalidade sapeca, a docilidade levada ao extremo, a poesia da marginália!

Baseado em obra de mesmo nome do diretor Blier, que também o roteirizou, "Corações Loucos" é viril, um filme macho, um grito de insânia dentro dos anos insones da década perdida. Ao som de jazz e bossa-nova, lá vão dois bandidos do bem, a exaltar a peraltice...E em seus caminhos, deparam-se com uma Jeanne Moreau, excepcionalmente lírica, sexy, ardente, pulsante e suicida...uma Miou-Miou, purificada pela frigidez, porém adocicada com o primeiro, o segundo o milésimo orgasmo...uma Isabelle Huppert na flor de seu talento imensurável, perdendo a virgindade a três, sob um céu límpido e sem frivolidades...

É um filme que mostra todos os imensos atores que foram e seriam e, graças à perenidade dos fotogramas, são os maiores da França, talvez da Europa. Irresponsáveis talentos em plena germinação, explosão de beleza e juventude, ícones de todas as gerações, de meus pais a meus netos, se os tiver!

O filme é um grito dos desocupados, dos à margem, dos valseadores, daqueles que todos escondem e que, do mais íntimo, saltam à luz das paixões. É icônico, posto ser verossímil, e ter de estar no altar maior do escurinho templo da sétima arte. É oitava maravilha! São todos os jovens que podiam e não podiam ser dançarinos da vida e marginais de suas próprias histórias...

E o fim? Bem, depois dos valseadores zombarem de todas as instituições retrógradas e pobres de espírito, roubam o duodécimo carro e seguem por estradas ermas e sem fim, em busca do nada, à cata de um vazio existencial o qual eles vão preenchendo com a esperança de todas as crianças loucas e órfãs...

É poesia em fotogramas brancos e bastante sonoros, ecos dos saudosos anos porraloucas... Quem aceita esta contra-dança?
(Rodrigo Maroja Barata - Abr/2010)

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