sábado, 8 de maio de 2010

Cinema e lágrimas desavergonhadas

Vontade de chorar? Tenho sempre! Pelas causas mais tolas, ainda mais quando, depois de tantas saudades impensadas...Bem, tenho cátedra em lágrimas, coisa de mestrado e doutorado em melancolia! E há algumas cenas de filmes que não dá para escondê-las, as tais lágrimas, é de se desfazer todo, coisa de, por favor, preparem vossos lençinhos!

Minha lembrança é um caco misterioso de um mosaico atemporal, por isso vou contar algumas vezes em que morri de vergonha e tive de sair de cabeça baixa do cinema, pois não contive minha tendência depressiva.

Fellini é o que mais me levou às lágrimas, nem sempre por compartilhar a tristeza de uns fotogramas, mas também por ser onírico e, por vezes, de uma nostalgia que chega a ser quase nossa. Quando Cabíria, ao cabo de suas desventuras de desamor, resolve entregar seu pobre coração vagabundo a um homem chamado Oscar D'Onofrio, que estava num show de variedades no qual ela é levada a um delírio hipnótico e conta sua vida em transe a uma plateia aos risos, eu queria entrar na tela e por aquela pobre mulher no colo.

O Homem sério e sereno a encanta, faz promessas; ela crê, vende tudo o que é seu e se despede da amiga de trampo e de vida (da vida?), enfim, de prostituta. Ela está feliz, radiante, mas ele acaba por se desmascarar e dá uns vários sopapos nela, que cai desmaiada. É furtada e humilhada. Nestas condições de total desesperança, sai vagando por uma estrada erma, quando uma trupe de jovens circunda Cabíria entre cantos e sorrisos. Aí vem a cena: Masina, aos poucos, vai retomando as forças e começa a parar de chorar, volta-se para a câmera e nos presenteia com o sorriso e o olhar mais ternos, doces, humildes e plenos do cinema. Chorei feito uma besta quadrada. Compulsivo, aquarianamente...chorei convulso e perene. Meu coração, a partir daquele segundo, era de Giullieta Masina. "Le notti di Cabiria" (1957), de Federico Fellini puxou meu tapete.



Quando o compositor Gustav von Aschenbach (interpretado magistralmente pelo imenso ator Dirk Bogarde), à beira da morte, devido à peste, maquia-se, veste-se elegantemente e senta à beira do mar, para admirar o perfil apolíneo e totalmente andrógino da beleza de Tadzio, paixão platônica avassaladora, e cai morto na espreguiçadeira com uma grossa gota de suor negro escorrendo, de seus cabelos pintados, pelo rosto pálido da decadência, meu(!)...de novo fui pego pela tristeza irremediável e me debulhei, chorei desavergonhadamente. "Morte a Venezia" (1974), de Luchino Visconti, baseado livremente na novela homônima de Thomas Mann, era a película que me expunha e me desnudava em pleno escurinho do cinema.



Tantas foram as cenas que não dá para enumerá-las em um post. "Amarcord" (1973), de Fellini, em sua cineautobiografia resgatando a infância numa Rimini nostálgica e onírica, ao som daquela trilha inesquecível de Nino Rotta, é choro (em meio a deliciosas gargalhadas) na certa, e em vários momentos; a solidão e a elegante decadência de Burt Lancaster em "Gruppo di famiglia in un interno" (1974), também de Visconti, são delicadamente amargas; o definhamento que leva à morte de Madame Bertini, em "La vieille dame indigne" (1965), de René Allio, ao ser interditada pelo filho, impedindo-a de realizar as viagens de carro sonhadas é de lanhar o coração, chorei sofregamente...e há mais uma porção imensurável de cenas, todas de marcar a ferro e brasa a pele mais encouraçada.



"Não tenho vergonha de dizer que estou triste", agora quintaneando (outro que me faz chorar!), não dessa tristeza dos que, em vez de se matarem, assistem, despidos de pudor, a lindos, melancólicos e terminais filmes...

(Rodrigo Maroja Barata Mai-2010)

6 comentários:

eu tentei ver no oco disse...

Barata, obrigado por sair do armário, conheço poucos que batem no peito e admitem deixar a arte tocar seu sensível. Fellini é criminoso procurado: roubou-me lágrimas aos milhares.
Obrigado por dividir tanto de filmes que já me envolveram em ternura, e me deixar a relembrar muitos outros.
Embora a linguagem poética não tenha conhecido aqui seu melhor uso, ou, for that matter, a gramática deixe a desejar, nada importa, exceto pois o que vem do coração.

eu tentei ver no oco disse...

A propósito, o convite ainda está de pé:
jrosabnu@gmail.com

Rodrigo Maroja Barata disse...

caro joão,

releia, pois eu postei antes de corrigir! fiz a devida correção, pois as teclas e minha vista magoo me fazem pecar, somente elas!
abrçs,
rodrigo
ps: não perdes a oportunidade de fazer teus comentários ferinos, não é mesmo?

eu tentei ver no oco disse...

Ahahaha
Na verdade, não a perco é de vista, mas costumo manter-me sucinto. Acontece que devido a comentários que fiquei sabendo que você fez a respeito de meu blog, não podia deixar de apontar - embora, em verdade, admito a hipocrisia, não ligue a mínima para o uso que se faz ou deixa de fazer da gramática (apesar de ser revisor textual formado), contanto que a intenção valha a pena. A propósito, nem lhe fiz mal julgamento, pois reconheço que não passavam de erros datilográficos.
Sêde o bom-humor eterno quando o espírito, sabe-se, não é.

Rodrigo disse...

Belíssimo texto, Rodrigo. Parabéns!

Sic disse...

Lindo texro baby, para falar de lágrimas lembrei do último dilúvio que criei por conta de Sinedoque...