segunda-feira, 3 de maio de 2010
Lars Von Trier - maneirista experimental
Tanto em sua vida pessoal, como no cinema que realiza, Lars Von Trier não é uma criatura apegada às convenções. Hipnótico, como um de seus temas favoritos, o cinema deste dinamarquês, nascido em 1956, é um exercício de simbolismos e maneirismos estéticos. Sua filmografia é plena do outsider, marca de sua genialidade!
Desde muito jovem, já criava seus roteiros e suas primeiras incursões no cinema. É desta época, curtas como “The Orchid Gardener” (história sobre um homem suicida que conhece duas enfermeiras, amantes, durante sua temporada em um sanatório, e todos os seus devaneios e ilogismos) e “Menthe - la bienheureuse" (uma homenagem a "Histoire D'O" e à sua autora Anne Desclos), nos quais já demonstrava suas inquietudes e desvarios técnicos e metalinguísticos.
No entanto, foi depois de ter ingressado na Escola Dinamarquesa de Cinema que pôde, através dos curtas “Nocturne” (1980) e “Liberation Pictures” (1982) mostrar as habilidades com a câmera na mão, mais tarde, imensamente usadas por ele. Foram curtas realizados ainda quando ele cursava cinema e são totalmente experimentalistas, já prenunciando algumas das leis do Dogma 95. "Nocturne" é um belo poema visual a narrar a história de uma mulher que, quando tem sua janela quebrada, fica com horror à luz, de qualquer luz e "Liberation Pictures" foi um projeto escrito para a sua graduação em cinema.
Ao sair do período de formação acadêmica, nada ortodoxa em se tratando de Lars Von Trier, dirigiu seu primeiro longa-metragem, "Elemento do Crime" (1984), filme no qual aborda a hipnose, tema recorrente em suas obras e pelo qual tem verdadeiro fascínio. Um triller policial, inquietante, em que o protagonista, Fisher, um policial que presencia um homicídio, ao retornar ao Cairo, tem de recorrer à hipnose para solucioná-lo. O expediente o faz revisitar Innenstadt e seu universo de delinquência juvenil e de duvidosa conduta da polícia. Lars recebeu o prêmio técnico em Cannes.
Com "Epidemic" (1987), Lars, metalinguisticamente, aborda a história de um roteirista e de um diretor que estão escrevendo um filme sobre uma epidemia que assola o mundo inteiro e não percebem que ela está rondando a si próprios. Novamente volta ao tema da hipnose, só que, neste, o diretor recorreu a um médium e a um especielista. A cena que vemos no longa é real e ocorrida ao acaso, característica em suas obras posteriores. Recebeu, em 1991, por esta produção de baixíssimo orçamento, o Grande Prêmio do Júri e o de Melhor Contribuição Artística em Cannes.
Seus projetos seguintes foram "Medea" (1988), adaptação da tragédia grega de Eurípides; "Europa" (1991), filme que projetou Lars internacionalmente, e que definitivamente, tornou-se um clássico sobre a 2ª Guerra Mundial e traz, pelo menos uma sequência magistral e inesquecível, quando, na abertura, uma voz em off narra as agruras da guerra e o som de um trem corta a noite e "Breaking the Waves" (1996), com a imensa atriz Emily Watson, sobre as reviravoltas de um casamento em crise.
Em 1994, filmou uma minissérie para a televisão dinamarquesa de terror e humor negro, "O Reino" (The Kingdom), que narra episódios de paranormalidade e assombrações no dia a dia de um hospital. Teve uma sequência, "The Kingdom II", em 1997.
Mas foi com "Os Idiotas" (1998), que tive a primeira experiência nauseabunda com Trier. Filme impressionante, já seguindo os princípios do Dogma-95 (câmera na mão, ausência de adereços de cena, de estúdio e de gênero cinematográfico, uso de iluminação natural, som gravado na hora da filmagem, rusticidade, não-atores e outros mandamentos), o qual narra a história de um grupo de amigos que experimentam todas as formas de idiotia numa espécie de libelo contra a própria idiotia do mundo. Tão inquietante que choca com suas imagens de extrema realidade e sexo explícito.
Na sequência, vieram obras máximas: "Dancing in the Dark" (2000), com a premiadíssima atuação de Bjork e Catherine Deneuve, baluarte do cinema francês. Musical sobre a urgência, sobre o amor maternal, sobre cegueira e pena de morte. Filme que mescla uma profunda melancolia a uma imensa sensação de redenção. Experiência sonora e visual que leva o espectador mais insensível aos soluços.
A trilogia "EUA - Terra das Oportunidades", formada por "Dogville" (2003), "Manderlay" (2005) e "Washington" (anunciado em 2007), retratam um EUA devastado por cinismo e hipocrisia. Lars diz: "Os críticos me atacam por ter feito filmes sobre os EUA sem nunca ter estado lá. Entretanto é inegável a presença da cultura norteamericana em todos os países. Não fiz documentários. Creio que os erros cometidos por um estrangeiro só fazem os meus filmes ficarem mais interessantes". É a trilogia das relações sociais (formação das sociedades), das mazelas e do desconforto. Filmes secos, sem cenários, somente com marcações deles no chão, crus, frios, inspirados no teatro épico de Brecht, o qual conduz o espectador a uma ilusionária realidade, dirimindo-lhe a percepção crítica. Lars trata seus personagens de maneira caricatural, porém numa intimidade de causar repúdio. Inegável que sua visão estrangeira desnuda uma América de caos, subversiva e paradoxal.
Cineasta depressivo, lançou "Antichrist" (2009) uma espécie de exorcismo de todas as crenças e descrenças, angústias e medos do diretor. Um casal, ao fazer amor, perde o filho, que cai da janela do apartamento. O casal resolve, então, refugiar-se numa cabana na Floresta Éden para ininterruptas sessões de delírio e instrospecção. Uma saga bíblica, genesíaca, sobre a mulher em seu estado primevo, animalesco, frágil e ao mesmo tempo visceral. Não é, na realidade, um filme de terror, é uma narrativa de enfrentamento, de delirium, gradação ascendente ao inferno individual, ao onírico, ao mais tenebroso sentimento de isolamento e karma. Explicá-lo é evasivo, contá-lo é desmerecê-lo, classificá-lo é estupidez.
Lars Von Trier é um diretor insondável, perene em sua eterna briga com o mainstream, contra sua personalidade ególatra, depressiva e inconformista. Coisas de gênio, não de mortais. Sintomatologia de mestre das viagens visuais, pictóricas, literárias (são constantes suas citações nietzscheanas, strindberguianas...) e fílmicas (a presença de um clima bergmaniano é inconteste).
Atualmente, filma pouco. Está em pré-produção de "Melancholia" e "The Erotic Man". Sabe-se pouco dele a cada filme. Viaja-se muito com ele em todos os fotogramas. Lars Von Trier é silêncio, idiossincrasia e provocação...
(Rodrigo Maroja Barata - Mai/2010)
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